8 de nov. de 2007

A Nokia Quer Ser Pop

Como transformar uma empresa de engenheiros finlandeses em uma marca de internet capaz de competir (até em charme) com gigantes como Apple e Google? Bem, comece ligando a música.

por Alexandre Teixeira, de Londres.


Passa pouco das 8 horas da manhã quando o barco repleto de convidados internacionais da Nokia parte de um píer na margem sul do Tâmisa, quase em frente ao prédio do parlamento britânico. O destino é Old Billingsgate, um antigo mercado de peixes do século 19 restaurado e transformado em magnífico espaço de eventos. Ali, na capital mais moderna e cosmopolita da Europa, um grupo de 300 jornalistas do mundo todo se reunirá para conhecer em detalhes o futuro próximo da Nokia. Sabe-se, de antemão, que o conhecido camaleão corporativo finlandês está mudando suas cores de novo. Com uma história empresarial que remonta a 1865, a líder mundial em telefonia móvel está tentando se tornar também uma empresa líder de serviços na internet. Neste último trimestre do ano, os mercados - a começar pelo europeu - serão apresentados às novidades: a loja virtual de música Nokia Music Store, os novos games para celular da grife N-Gage e a linha de aparelhos que navegam na internet criados para concorrer com o iPhone, da Apple. Antes, porém, neste 29 de agosto que a Nokia considera histórico de antemão, serão conhecidos alguns conceitos.

Quando as luzes do auditório se apagam, surge projetada a imagem de uma sala de cinema: "No princípio, era uma tela". A apresentação prossegue com uma telinha de TV, com a qual a experiência audiovisual tornou-se doméstica. Ainda menor, surge o monitor dos PCs, que reduziu o contato com o mundo a um espaço individual. Finalmente, em letras garrafais, aparece a palavra MOBILIDADE, dentro da microtela de um celular: "O fim de uma era e o começo de outra. Bem-vindos à quarta tela". A mensagem é clara: os finlandeses estão dobrando sua aposta na idéia de que a convergência das indústrias de comunicação e internet se dará, a partir de agora, no celular e não mais no computador. Um levantamento da empresa sugere que nos próximos anos até 5 bilhões de consumidores de mercados emergentes poderão saltar diretamente do celular para a internet, sem escalas pelo PC e pelo telefone fixo. "Eu vejo o futuro em três palavras", diz Olli-Pekka Kallasvuo, o presidente mundial da Nokia, quando finalmente entra em cena. "Libertem a internet”.

Baixinho, desconfortável no palco de show de rock, esse anti-Steve Jobs de gravata cinza passará as próximas duas horas esforçando-se para convencer sua audiência de que a Nokia é a companhia mais bem equipada para oferecer ao mundo uma síntese da experiência digital. O sonho da empresa até ontem era transformar seus aparelhos em receptores universais, pelos quais transitariam dados, imagens e sons transmitidos pela internet sem fio - aquela que, dentro de alguns anos, deve se tornar planetária e onipresente. Mas o sonho revelado em Londres já é outro: a Nokia quer estampar sua marca nas três bases do tripé digital. Além de vender aparelhos, vai oferecer serviços e conteúdo para internet, na forma de games, mapas e música. "Grandes empresas se renovam à medida que o mundo muda. A Nokia fez isso muitas vezes. E fará de novo agora", afirma seu presidente com forte sotaque nórdico, cheio de erres duros. Se isso der certo, a empresa entrará na mesma esfera ocupada por gigantes da rede, como o Google e o Yahoo!. Mas seu alvo imediato é a Apple, que invadiu o terreno histórico dos finlandeses com o seu iPhone.

"Quando eles lançaram o iPhone, conseguiram uma publicidade sensacional. E tudo para vender 270 mil aparelhos em dois dias", diz o inglês Mark Selby, vice-presidente mundial de vendas da Nokia. "Isso é mais ou menos o número de celulares que vendemos em seis horas." Esse tom provocativo tem adeptos no mercado. "A Apple não é páreo para a Nokia", diz o consultor John Strand, presidente da Strand Consult, sediada em Copenhague. A companhia finlandesa, ele observa, vende cerca de 1 milhão de telefones por dia e vai fechar este ano com mais de 360 milhões de aparelhos comercializados. "Já a Apple sonha em vender 10 milhões de celulares antes do fim de 2008", diz. "É como comparar o Brasil com a Guiana Francesa." Martin Garner, diretor da consultoria Ovum, de Londres, também acha que a travessia imaginada pela Nokia é perfeitamente factível: "Há poucas companhias com a marca, o alcance e a tecnologia necessários para liderar a convergência digital. A Nokia é uma delas".

Nada menos que 900 milhões de pessoas em todo o mundo têm hoje um celular da empresa. Isso é mais do que qualquer fabricante de bens de consumo, de qualquer ramo e em qualquer época jamais teve até hoje. Um sucesso extraordinário que expõe um dos enigmas da Nokia: como pode uma empresa liderada por executivos sem graça projetar uma imagem tão carismática? "Kallasvuo é muito profissional, com um histórico de resultados impressionante. Mas talvez devesse se concentrar em administrar a companhia e deixar que outros falem sobre as visões da Nokia", diz o consultor John Strand. "Esse homem conseguiria facilmente um emprego em propagandas de remédio para dormir”.Advogado de formação, ele é um típico funcionário de carreira da Nokia, onde entrou em 1980. De lá para cá, passou por praticamente todos os níveis hierárquicos e por quase todas as divisões, trabalhando, sobretudo na área financeira. Hoje, tem rendimento anual declarado de US$ 2 milhões. Quando não está no escritório, passa seu tempo livre jogando golfe e lendo livros de história política. Em tempos globalizados, pronunciar seu nome revelou-se um desafio tão grande que na própria companhia convencionou-se tratá-lo pelas iniciais: OPK.

No mundo empresarial, como no animal, camaleões trocam de cor quando pressentem uma ameaça ou a oportunidade de apanhar uma presa. Não é diferente com a Nokia, que tem a mudança em seu DNA. Numa observação superficial, o ambiente não lhe é nada hostil. Ao contrário. Sozinhos, os finlandeses hoje vendem mais telefones do que os americanos da Motorola, os coreanos da Samsung e os nipo-suecos da Sony Ericsson. Juntos. Seu domínio sobre o setor é absoluto em vendas (mais de 100 milhões de celulares por trimestre), faturamento (US$ 55 bilhões por ano), valor na bolsa (US$ 120 bilhões) e quaisquer outros critérios que se use para comparações. Apressados à Francis Fukuyama diriam que é o fim da história, mas a nova ordem mundial da telefonia móvel traz ameaças inesperadas. Ao lançar o iPhone, no começo deste ano, a Apple fincou sua bandeira no mercado de celulares. E apontou o que pode ser uma nova tendência, visto que o próprio Google, hoje na vanguarda dos serviços para internet, prepara um software para telefones móveis com e-mail e mapas e, muito provavelmente, um telefone - já apelidado de gPhone. Reagindo à mudança no ambiente, com a chegada de novos e agressivos concorrentes, a Nokia organizou seu contra-ataque.

A guinada da Nokia em direção à web coincide rigorosamente com a ascensão de OPK à presidência da empresa, em junho de 2006. Tinha 53 anos. Nem bem tomou posse, ele deu início a uma frenética temporada de aquisições de companhias de internet. Já em agosto, investiu US$ 60 milhões na compra da distribuidora de música online Loudeye. Na seqüência, adquiriu a Gate5, uma pequena companhia alemã de software de navegação com GPS. O ataque foi retomado neste ano, em julho, com a compra do Twango, um pequeno site de compartilhamento de fotos e vídeos. Criado em 2004 por cinco ex-executivos da Microsoft, o portal tem só dez funcionários, mas, apesar de pequeno, é possivelmente o único realmente multimídia de seu setor. No Flickr, do Yahoo! (com que a Nokia tem acordo operacional), só se compartilham fotos. No YouTube, do Google, apenas vídeos. O Twango trabalha com fotos, vídeos e áudio. Como uma espécie de cereja nesse bolo de parcerias, a Nokia assinou um acordo com a Microsoft para que versões de serviços como Hotmail e Messenger sejam carregados nos aparelhos de sua Série 60 de smartphones.


CRISE E SUICÍDIO


Desde que assumiu, o novo presidente vive sob a sombra de Jorma Ollila, uma figura histórica na Nokia. CEO de 1990 a 2006, Ollila comandou a transição da empresa de seu pior momento para sua época de ouro. Ele sucedeu a Kari Kairamo, responsável pela trágica gestão da Nokia nos anos 80. Foi uma era de expansão indiscriminada para novos campos, principalmente por meio de aquisições. O resultado da dispersão de receitas foi a maior crise da história da companhia, que culminou com o suicídio de Kairamo, em 1988, e com a venda das unidades de televisores e PCs. Coube a Ollila, corajosamente, estreitar o foco em telecomunicações, uma área então deficitária na empresa. Essa decisão temerária deu origem à Nokia que se conhece hoje. Seu sucesso naturalmente chamou a atenção do mundo corporativo e seu passe acabou parcialmente comprado, no ano passado, pela Shell. Desde então, Ollila acumula os cargos de presidente dos conselhos de administração das duas empresas. OPK, seu sucessor, mostrou personalidade ao escolher o caminho da internet, mas dizer que a mudança de rumo se deve a ele seria, nas palavras de um alto executivo da companhia, "totalmente errado".


Também do ponto de vista da gestão, OPK é um anti-Steve Jobs. Detesta aparecer sozinho como dono de idéias, tem prazer em trabalhar em equipe e é voltado para dentro da empresa. Ele fala pouco e ouve muito. De janeiro a maio deste ano, enquanto a Nokia depurava suas idéias sobre que papel deverá desempenhar no mundo digital, o finlandês promoveu uma consulta interna que mobilizou seus 68,5 mil funcionários no mundo todo. "Nas várias empresas por onde passei, eu cansei de ver consultas desse tipo serem realizadas e solenemente ignoradas pelo CEO na hora de decidir", diz Almir Narcizo, principal executivo da Nokia no Brasil. "Você ficaria surpreso de ver quanto das idéias dos funcionários foi aproveitado pelo Olli-Pekka. E isso é corajoso, porque quem ouve a base de verdade abre mão de poder”.Apesar da disposição para ouvir, OPK é reconhecidamente objetivo na tomada de decisões: característica comum dos finlandeses, mas rara em seus vizinhos da Suécia. Quem compara é Narcizo, que trabalhou durante anos na sueca Electrolux. Diz ele: O sueco gosta de decidir por consenso, em grandes colegiados, o que às vezes é exasperante. Eles até hoje estão discutindo se vão ou não aderir ao euro. Já o finlandês decide mais rapidamente e com grupos menores de pessoas. É o que Olli-Pekka faz, depois de ouvir o que a companhia toda tem a dizer.

OPK gosta de tecnologia e comunicação a ponto de ter um blog pessoal, de acesso restrito a funcionários da Nokia. Mas o homem por trás da inovação na área de internet e multimídia da Nokia é Anssi Vanjoki. Ele lidera o grupo responsável por desenvolver os equipamentos e serviços que dão aos consumidores da Nokia acesso a conteúdo multimídia. É descrito no site da empresa como "uma força visionária" nas áreas de mobilidade e web 2.0. Uma de suas frases sobre a atual geração de celulares: "O que nós temos aqui são computadores. Eles só não são comprados como tal porque podem fazer chamadas telefônicas". Outra, mais provocativa: "Câmeras digitais sem comunicação estão mortas. Para que eu iria querer uma câmera que não se comunica e não me permite compartilhar as fotos instantaneamente?" Ele admite, porém, que equipamentos apenas não são mais suficientes para competir no mercado digital. Por isso, o lançamento mais marcante da Nokia em Londres foi o de uma nova marca que servirá de guarda-chuva para os serviços de internet da companhia. É a Ovi, porta em finlandês.

A entrada no ramo de serviços para a internet é um novo capítulo da história de permanente transformação da Nokia. O ano zero é 1865, quando Fredrik Idestan criou uma fábrica de celulose na cidade de Tampere, no sudoeste da Finlândia, logo transferida para o município vizinho de Nokia e batizada Nokia Wood Mills.

Pouco depois da Primeira Guerra Mundial, a empresa fundiu-se com a Finnish Cable Works, fabricante local de telefones e cabos telegráficos. Era o embrião do que, em 1967, passaria a ser a Nokia Corporation, um conglomerado produtor de papel, bicicletas, pneus, botas de borracha, computadores, cabos, televisores e dezenas de outros itens. A tecnologia da empresa para comunicação via rádio foi aproveitada, a partir da década de 80, para o desenvolvimento de telefones sem fio. O pioneiro foi o Mobira Senator, lançado em 1982, como equipamento para automóveis. Pesava 9,8 quilos. Cinco anos depois, saiu o Mobira Cityman 900, para muitos, o primeiro telefone realmente portátil: tinha 800 gramas e custava o equivalente a US$ 6.150 de hoje.

Observando o mercado agora, é fácil esquecer que a Nokia nem sempre foi dominante. Em meados dos anos 90, a bola estava com a Motorola, que surfava a onda do sucesso de seu celular StarTac. Silenciosamente, porém, a Nokia iniciava sua ofensiva, adicionando elementos inovadores de design aos telefones, na forma de capinhas substituíveis, e diferentes ringtones. Mais importante, começou a operar em escala global, lançando mais modelos em um número cada vez maior de países. Os finlandeses apostaram cedo no desenvolvimento de plataformas básicas para celulares, a partir das quais é possível produzir variações de produtos com grande economia de escala. A Motorola demorou a adotar essa prática - a mesma que, na indústria automotiva, permite que, de uma só plataforma, se produzam um sedã, um hatch e uma perua. No início desta década, a Motorola tinha 27 desenhos básicos de celular contra apenas cinco da Nokia - que, no entanto, tinha maior variedade de modelos nas prateleiras. Os finlandeses mantiveram essa abordagem e hoje são reconhecidos por muitos como tendo a melhor logística de montagem de produtos do mundo, em qualquer setor da economia.

Mais recentemente, a Motorola obteve grande sucesso com o modelo Razr, um triunfo do design. Faltou-lhe, porém, munição para substituí-lo por outras novidades de impacto. E uma noção mais clara de seus limites como fabricante. O erro fatal foi cometido no último trimestre do ano passado. À medida que os resultados do Razr atingiam seu pico, a Motorola tentou turbinar seus volumes de venda nos mercados emergentes, entrando em uma guerra de preços com os finlandeses. O problema é que a linha de produtos mais baratos da Nokia revelou-se melhor e mais rentável. Quando ambas as empresas despacharam toneladas de telefones para seus canais de venda, os da Motorola encalharam por falta de compradores, enquanto os da Nokia venderam muito bem. O xis da questão, segundo Martin Garner, o analista da Ovum, é que "o portfólio da Motorola não é amplo nem bom o bastante para competir em todos os segmentos e em todas as regiões". "Eles são culpados de desenhar seus produtos de um ponto de vista americano, enquanto os usuá­rios na Europa e em outros países têm gostos genuinamente diferentes", diz Garner. Não é, de modo nenhum, uma opinião isolada. "A Nokia tem a cabeça no mercado. A Motorola, no próprio umbigo", diz o consultor Strand.

Ainda que seja um ícone do mercado global, a Nokia é, antes de mais nada, uma empresa finlandesa. A maior companhia do país, responsável por um terço do valor de mercado da Bolsa de Valores de Helsinque, ela responde por cerca de 3,5% do PIB e quase um quarto das exportações do país. No ano passado, pela primeira vez na história, o faturamento da empresa superou o orçamento nacional da Finlândia. Sua matriz está em Espoo, na região metropolitana de Helsinque. Trata-se da capital nacional localizada mais ao norte do planeta, e há quem sustente que essa característica geográfica tem peso importante na cultura corporativa da Nokia.


NÓRDICA E COSMOPOLITA

"A Finlândia é um país de recursos naturais escassos, com o melhor sistema educacional do mundo e um inverno extremamente rigoroso, que obriga as pessoas a se dedicar em mais da metade do ano a tarefas em ambientes fechados", diz Narcizo, o presidente da empresa no Brasil. "Nesse ambiente, a opção pela tecnologia e por atividades que exijam grande concentração e disciplina é quase natural."

Posto esse sólido alicerce nórdico, é preciso reconhecer que a companhia é tão cosmopolita quanto se pode ser. Seus nove laboratórios de pesquisa estão espalhados em seis países. As fábricas distribuem-se por nove nações. A empresa é multinacional e cada vez mais reconhecida como tal. O nome Nokia apareceu no quinto lugar da lista das marcas globais mais valiosas de 2007, divulgada pela revista BusinessWeek. É a companhia não americana mais bem colocada do ranking. É também a 20ª empresa mais admirada do mundo, segundo a lista deste ano da Fortune.

Por trás dessa imagem cintilante há, naturalmente, sólidos números empresariais. As ações da Nokia subiram 44% nos primeiros sete meses do ano e atingiram o patamar mais alto em cinco anos. Suas margens de lucro estão no melhor nível desde o fim de 2003 e o faturamento cresceu 28% no segundo trimestre do ano. A Nokia é a 119ª maior companhia do planeta de acordo com a Fortune 500 de 2007. Os finlandeses venderam mais de 100 milhões de celulares no mundo no último trimestre, ao ritmo de 13 unidades por segundo, o que elevou sua participação de mercado para 36,9% das vendas globais. Em 2004, eram "apenas" 30,7%. Sua liderança é incontestável, mas há um problema no radar: um relatório do banco de dados Datamonitor revela que o gasto da Nokia com pesquisa e desenvolvimento tem declinado desde 2003. O investimento está estável, na casa dos US$ 4,8 bilhões, mas caiu como percentagem das receitas de 12,1% para 9,5%. A Motorola, ao contrário, tem aumentado esses gastos.

A inovação é fundamental e ao mesmo tempo efêmera nessa indústria. Um telefone celular fica nas prateleiras por cerca de um ano, quando se torna obsoleto e dá lugar a uma nova geração. A idéia é que, a cada ciclo anual, novas tecnologias sejam introduzidas nos aparelhos mais sofisticados e novidades dos anos anteriores sejam barateadas e empurradas para a base da pirâmide. Foi assim, por exemplo, com as câmeras fotográficas. O que era prodígio tecnológico há três ou quatro anos já virou acessório básico. Como a maioria dos celulares da Nokia tem câmeras embutidas, calcula-se que a companhia tenha superado a Kodak em produção de máquinas fotográficas e se tornado a maior fabricante do mundo. A Nokia é líder também na oferta de tocadores de MP3, à frente da Apple, que produz o iPod.

"Para inovar, é preciso assumir riscos, senão nada acontece", diz o argentino Axel Meyer, 39 anos, diretor mundial de design da companhia. Na Nokia, diz ele, a estética nem sempre vem em primeiro lugar. O desenho escolhido é sempre aquele capaz de simplificar o uso cotidiano do equipamento. Meyer comanda um grupo multidisciplinar que reúne, eventualmente, roteiristas e diretores de cinema: "Às vezes, a idéia é contar histórias na tela do celular, como no caso dos games".

Em sua equipe há mais de 200 designers (quantos, exatamente, é segredo), de mais de 45 nacionalidades, incluindo três brasileiros. A maioria da equipe está na casa dos 27 ou 28 anos. No dia-a-dia, fala-se e, principalmente, ouve-se inglês. "Ouvir é fundamental. Sem colaboração não dá, porque ninguém é criativo 365 dias por ano", diz o executivo. Uma de suas tarefas é traduzir a vasta gama de olhares de sua equipe em conceitos cristalinamente simples. "Para apresentar uma idéia ao Vanjoki, ela tem de ser absolutamente clara e focada em um propósito", afirma. "E você tem dez minutos..." A empresa lança cerca de 50 celulares por ano.

O estúdio de Meyer está no QG da Nokia. Ali, designers usam blogs para se comunicar com usuários e "futuristas" são empregados para traçar cenários. Investiga-se, no momento, a comunicação por hologramas e a confecção de telefones com materiais biodegradáveis. Eventuais choques culturais com a ala engravatada da empresa são amortecidos pelos valores da companhia. "Somos todos iguais. O vice-presidente e o estagiário comem na mesma cantina. Se você usa piercing ou anda de havaianas, tudo bem. Cada um é como é", diz Meyer. A Nokia tem hoje dois centros de design global: o da matriz e um outro, em Londres. Há também estúdios nos principais mercados da empresa no mundo e "oásis de desenho" em lugares que os designers considerem inspiradores, como o Rio de Janeiro.

Estrangeiros como Meyer dizem que princípios como abertura, respeito aos indivíduos e honestidade com funcionários e consumidores são levados a sério pelos finlandeses. É algo que talvez encontre raízes no clima impiedoso. "Desembarcar pela primeira vez na Finlândia no inverno, a -32o C, é uma experiência inesquecível", diz o inglês Mark Selby.

A
costumado a fazer palestras pelo mundo inteiro, ele aprendeu que os finlandeses não fazem perguntas em público. São tímidos, sim, mas principalmente aprendem cedo a só falar quando têm algo importante a dizer. Outra curiosidade, segundo Selby: um autêntico finlandês não aceita gorjetas. Britânico, o executivo passou a vida viajando e recorda-se de um episódio que ilustra bem o caráter finlandês. "Conheci há algum tempo o diretor da Cruz Vermelha na região Ásia-Pacífico", afirma. "Ele me disse que, quando há um grande acidente, é recomendável ter na equipe de socorro pelo menos um enfermeiro finlandês. Em qualquer situação, eles mantêm o foco em fazer as
coisas acontecerem. Com os finlandeses, o que se planeja se cumpre. E, além de tudo, eles são bons de festa".



ENTREVISTA COM OLLI-PEKKA KALLASVUO
“Nós tivemos de olhar o mundo para crescer"


Olli-Pekka Kallasvuo, presidente mundial da Nokia, explica em entrevista exclusiva quais são os planos da empresa para a internet e fala das razões do (enorme) sucesso da companhia finlandesa: "Graças à nossa posição sólida no hardware, temos uma compreensão profunda das necessidades, do comportamento e das preferências do consumidor".

Como provedora de serviços de internet, a Nokia enfrentará especialistas do ramo, como o Google. Não é demais para uma fabricante de celulares da Finlândia?

A Nokia, como líder global em dispositivos móveis, está em uma posição única para combinar mobilidade e internet. Para dar um exemplo, ao final de junho nós atingimos a marca de 35 milhões de computadores multimídia Nokia Nseries vendidos. Eles já são preparados para participar da revolução da web 2.0.

Vocês são capazes de vender esses equipamentos a preços acessíveis?
Graças à nossa posição sólida no hardware, temos uma compreensão profunda das necessidades, do comportamento e das preferências do consumidor. Esse insight é importante quando se trata de trazer novos serviços para o bolso das pessoas.

Como vocês pretendem transformar essa vantagem na área de hardware em vendas e lucros na internet?

Naturalmente, nós pretendemos transformá-la em um negócio significativo, mas não alimentamos nenhuma expectativa de receita neste estágio.

A Nokia é basicamente um fabricante de hardware. Qual a estratégia para se tornar uma empresa de software e serviços?
Nós o faremos em parte desenvolvendo serviços por conta própria e em parte comprando empresas de serviços que se encaixem em nossas estratégias.

No Brasil, um imenso contingente de consumidores provavelmente terá sua primeira experiência na internet em um celular. Vocês conseguirão oferecer acesso e serviços baratos a essas pessoas?
Eu estou pessoalmente muito animado para ver o desenvolvimento da internet móvel em países como o Brasil. Nós continuaremos oferecendo aparelhos acessíveis com recursos relevantes a esses mercados. Claro, também as autoridades reguladoras e os provedores de serviços estão em uma posição-chave para facilitar o acesso à internet nesses mercados.

Como o senhor define os princípios e as práticas que definem o estilo Nokia de gestão?
Gestão baseada em fatos e liderança baseada em valores, uma organização plana e montada em rede, e uma constante busca por renovação. Nossa estratégia comum e nossos valores corporativos formam a estrutura para nossas operações, mas deixam espaço suficiente para indivíduos e equipes inovarem. Mudança e renovação contínuas estão no DNA da Nokia.

A Nokia é líder mundial em celulares há quase uma década, à frente de corporações multissetoriais, como Sony e Samsung. Qual é o segredo?
Eu diria que a razão principal de termos conquistado essa posição foi a compreensão do consumidor. Nós entendemos muito cedo que a telefonia móvel se tornaria uma indústria de consumo e conscientemente investimos em á­reas que são importantes para consumidores. Temos sido capazes de nos renovar de modo contínuo, o que é fundamental em uma indústria que muda rapidamente.

Credita-se o sucesso da Nokia à inovação e ao design, mas principalmente ao bom marketing para diferentes países e culturas...

Você está absolutamente certo. Sendo uma companhia com pequeno mercado doméstico - a Finlândia tem só 5,3 milhões de habitantes -, a Nokia sempre teve de olhar para novos países e culturas para crescer. Nós somos hoje uma companhia global, com vendas em mais de 150 países. Essa diversidade é claramente um ativo para nós. Aparelhos móveis são muito pessoais, e é importante entender as necessidades do consumidor em diferentes países.




O editor-executivo Alexandre Teixeira viajou a Londres a convite da Nokia